A FOTOGRAFIA HISTÓRICA DA POSSE DA PRIMEIRA
PREFEITA ELEITA DA AMÉRICA LATINA, ALZIRA SORIANO, VALE MAIS DO QUE MIL
PALAVRAS SOBRE AS DIFICULDADES ENFRENTADAS POR ELA PARA PERTENCER AO MUNDO DA
POLÍTICA
ANA
LUIZA CARDOSO – REPÓRTER
Na foto feita em
1930, a solitária mulher ao centro (com figurino típico da novela O Cravo e a
Rosa), está rodeada exclusivamente por homens. Alzira teve de enfrentar fofocas
e maledicências para conseguir um posto no staff da política do sertão central.
Mas há 71 anos,
cravou o nome na história mundial, abrindo caminho para as 285 mulheres eleitas
no Estado nas últimas eleições, sejam para o cargo de vereadoras ou prefeitas.
A residência
onde Alzira Soriano nasceu, na pequena Jardim de Angicos, a 124 quilômetros de
Natal, guarda fotos valiosas do começo do século XX, além de objetos pessoais,
todos carinhosamente guardados pela filha caçula da primeira prefeita da
América Latina, Ivonilde Soriano de Souza, 80 anos.
Empenhada em não
deixar morrer a memória da mãe, Ivonilde solicitou a Fundação José Augusto o
tombamento da residência onde Alzira viveu até o casamento. O processo de
tombamento está em andamento no Conselho Estadual de Cultura.
Desde 1990,
Ivonilde retornou a Jardim de Angicos para resgatar a história da mãe.
Solicitou a construção de uma praça, ao lado da residência a ser preservada. Um
busto da representante mais ilustre da cidade de 2.660 habitantes ornamenta o
passeio público.
Morando na
residência desde então, Ivonilde não deixa descaracterizar a casa. Seu maior
sonho é transformá-la em memorial com o apoio do poder público municipal.
Há 110 anos, o
pai de Alzira Soriano, Miguel Teixeira de Vasconcelos, construiu a casa onde
criaria as sete filhas e um filho. A mulher que se tornaria a primeira prefeita
eleita da América Latina era a mais velha e sempre o ajudou nas campanhas.
Miguel era líder político da região e dono de vastas terras. A residência tem
três salas, cinco quartos, uma cozinha, dois banheiros e área.
De acordo com a
análise feita pelo arquiteto Paulo Heider, da Fundação José Augusto, e que foi
anexada ao processo de tombamento, a residência mantém várias características
marcantes do século XIX. “Tanto na técnica construtiva, como nos materiais
empregados.”
O telhado é
feito com caibros roliços, lavrados feitos de facheiro (espécie de cactus) e
linhas de canaúba e aroeira. Tudo providenciado com vegetação abundante na
caatinga.
Uma parte da
casa está reservada para os objetos de Alzira. Fotos dos casamentos de família,
os móveis do quarto dela, os livros da estante pessoal. Na área livre da casa
está sendo preparada uma lanchonete, banheiro e mesinhas, com intuito de
atender os visitantes.
Uma
vida de sacrifícios pessoais e muita luta
Luzia Alzira
Teixeira Soriano, perdeu o marido aos 22 anos, ainda grávida da filha mais
nova, Ivonilde Soriano. Ela chegou a morar em Ceará Mirim, onde o marido era
promotor. “Meu pai morreu em 20 de janeiro de 1919 e eu nasci em 25 de março”,
conta Ivonilde. Thomaz Soriano morreu de gripe espanhola.
Ivonilde, filha de Alzira, ao lado do busto da mãe.
Ivonilde, filha de Alzira, ao lado do busto da mãe.
Alzira ainda
tentou morar em Recife com a família do marido, mas o patriarca que a levou à
cidade pernambucana morreu e ela retornou ao RN. Em 1932 foi para Natal com
intuito de oferecer melhor estudo para as filhas.
O terreno da
casa na avenida Floriano Peixoto já havia sido adquirido pelo marido e Alzira
teve de se desfazer de alguns bens para erguer a residência. “Ela trabalhava costurando”,
conta Ivonilde. Quando as filhas Sônia (já falecida), Ismênia e Ivonilde
casaram no final da década de 30, então Alzira retornou para a fazenda
Primavera, em Jardim de Angicos.
Nessa época, a
casa que deve ser tombada ficava fechada sendo aberta em eventos importantes
como festas na Igreja e no Natal. Com a morte do pai, Alzira assumiu o comando
da herança paterna também na política. Somente com a redemocratização em 1945
voltou a vida pública como vereadora. Foi eleita por mais duas vezes consecutivas
e liderando a União Democrática Nacional (UDN). Ela chegou a presidência da
Câmara de Vereadores mais de uma vez. Ivonilde ouvia sempre as idéias
feministas “Minha mãe dizia que mulher tem de se desenvolver. Não deve ficar só
na cozinha e cuidando dos filhos. Aos 67 anos, Alzira morre em 28 de maio de
1963 por conplicações de um câncer no ovário.
OUVIR IMPROPÉRIOS ERA ROTINA NA VIDA DE ALZIRA
Apoiada pelo
então governador Juvenal Lamartine, Alzira Soriano foi obrigada a ouvir
verdadeiros impropérios contra sua participação na política. A filha dela,
Ivonilde Soriano, menciona que chegavam a cogitar que Alzira estava de namoro
com o governador para justificar a candidatura. “Ela sofreu muito moralmente”, lembra
Ivonilde. No Livro ‘Dicionário das Mulheres do Brasil’ é narrado que a primeira
prefeita eleita na América Latina teve de ouvir ser prostituta quem entrava na
política, pois mulher de família não poderia ser votada.
O gosto de
Alzira pela política pode ter nascido da orientação paterna. O pai Miguel
Teixeira “mandava no município todo” conforme explica Ivonilde Soriano. O
marido de Alzira, Thomaz Soriano de Souza Filho, era um dos nomes da lista de
candidatos a governador no começo do século, recorda Ivonilde.
A liderança de
Alzira (que estava sempre à frente da campanha política do pai) chamou a
atenção da advogada feminista Bertha Lutz. Essa em companhia de Juvenal
Lamartine visitou Lajes. Bertha foi a responsável por influenciar a indicação
de Alzira para candidata a prefeita de Lajes pelo partido republicano.
Apoiada pelo
governador Junenal Lamartine Alzira derrotou Sérvulo Galvão, um político
conhecido na região.. Alzira obteve mais de 60% dos votos. Na opinião de
Ivonilde Soriano, a mãe ganhou a eleição pela simpatia, pela caridade que
praticava e o poder político de Miguel Teixeira. “Minha mãe tinha personalidade
forte. Quem dissesse a ela podia ter certeza que ela responderia de volta.”
Muitos se
perguntam porque Alzira foi prefeita de Lajes e não de Jardim de Angicos, onde
ela nasceu. A explicação, segundo Ivonilde, é que com a passagem da estrada de
ferro por Lajes, a cidade se desenvolveu, enquanto Jardim de Angicos parou no
tempo.
A administração
da primeira prefeita do Brasil foi tida como competente e íntegra resultando em
construções de novas estradas. Uma delas é a ligação entre Cachoeira do Sapo e
Jardim de Angicos. Curiosamente a estrada permanece do mesmo jeito da
administração Soriano. Ela tambérm construiu mercados públicos distritais, fez
escolas e cuidou da iluminação pública a motor. Mas foi pouco tempo de
administração. Ivonilde calcula que o poder municipal ficou nas mãos de Alzira
cerca de sete meses. Com a revolução de 1930, ao recusar a oferta de Mário
Câmara de tornar-se “Interventora Municipal” perdeu o mandato. “Naquele tempo
ninguém trocava de partido como hoje. Morria no que estava”, ressalta Ivonilde.
Fonte: Tribuna
do Norte. Arquivado desde o original em 15 de março de 2014. Consultado em 18
de Fevereiro de 2016.
Fonte dite da prefeitura de jardim de angicos